quinta-feira, 24 de julho de 2014
Bar é prosa - (O relógio por testemunha)
O relógio por testemunha
(luiz alfredo motta fontana)
Creio que estava previsto naquela noite em que perdi o relógio.
Sim, eu vestia o relógio, o mesmo que anotara os momentos em que, com extrema frieza, disse adeus à outra.
Qual a razão de termos uma outra em momentos que deveriam ser só de espera?
Qual a desculpa para a frieza?
Mas o relógio vira e anotara, como testemunha zelosa de um crime nada perfeito.
Nunca me reprimira.
Mesmo quando, em gesto inútil, o tirei e coloquei ao lado do cinzeiro, quase que o condenando a contar pontas de cigarros pelo resto da noite.
A conversa fluia em torvelinhos, passando pelo inevitável cinema francês, contornando o poema concreto, desprezando o gongorismo, e afinal, dedicando-se às mulheres, não as de Atenas, mas as da mesa.
Lembro, e bem, de ter pago a conta, contando com a sempre generosa colaboração do velho e costumeiro garçon, bastava o olhar, e ele esperava a volta do toilette com a conta em mãos. Depois o hiato.
Ao acordar em travesseiro estranho, tentando entender a razão da cor do teto, tateando no criado mudo e diverso, percebi, esquecera o relógio, seus rubis e suas histórias, ao lado do exausto cinzeiro.
Foi assim que teu sorriso meigo, estendendo a chicara de café, me encontrou naquela manhã, a primeira de muitas, leves, serenas, desde então sem testemunha.
Sim, eu vestia o relógio, o mesmo que anotara os momentos em que, com extrema frieza, disse adeus à outra.
Qual a razão de termos uma outra em momentos que deveriam ser só de espera?
Qual a desculpa para a frieza?
Mas o relógio vira e anotara, como testemunha zelosa de um crime nada perfeito.
Nunca me reprimira.
Mesmo quando, em gesto inútil, o tirei e coloquei ao lado do cinzeiro, quase que o condenando a contar pontas de cigarros pelo resto da noite.
A conversa fluia em torvelinhos, passando pelo inevitável cinema francês, contornando o poema concreto, desprezando o gongorismo, e afinal, dedicando-se às mulheres, não as de Atenas, mas as da mesa.
Lembro, e bem, de ter pago a conta, contando com a sempre generosa colaboração do velho e costumeiro garçon, bastava o olhar, e ele esperava a volta do toilette com a conta em mãos. Depois o hiato.
Ao acordar em travesseiro estranho, tentando entender a razão da cor do teto, tateando no criado mudo e diverso, percebi, esquecera o relógio, seus rubis e suas histórias, ao lado do exausto cinzeiro.
Foi assim que teu sorriso meigo, estendendo a chicara de café, me encontrou naquela manhã, a primeira de muitas, leves, serenas, desde então sem testemunha.
Poesia do dia (Diva)
Diva
(luiz alfredo motta fontana)
Ontem...
Nos corredores do colégio
sonhava ser Audrey.
Agir como Lauren
despir-se como Rita.
Sorrir como Elizabeth
amar como Sofia.
Ser livre
como Brigitte.
Hoje...
No sofá da sala
acorda assustada
tendo ao lado
a angústia do roteiro inacabado.
quarta-feira, 23 de julho de 2014
O adeus de Ariano!
Ariano Suassuna (16/06/1927 - 23/07/2014)
LÁPIDE
(Ariano Suassuna)
Quando eu morrer, não soltem meu Cavalo
nas pedras do meu Pasto incendiado:
fustiguem-lhe seu Dorso alardeado,
com a Espora de ouro, até matá-lo.
Um dos meus filhos deve cavalgá-lo
numa Sela de couro esverdeado,
que arraste pelo Chão pedroso e pardo
chapas de Cobre, sinos e badalos.
Assim, com o Raio e o cobre percutido,
tropel de cascos, sangue do Castanho,
talvez se finja o som de Ouro fundido
que, em vão – Sangue insensato e vagabundo —
tentei forjar, no meu Cantar estranho,
à tez da minha Fera e ao Sol do Mundo!
Poesia do dia (Familiaridades)
Familiaridades
(luiz alfredo motta fontana)
Caminho
lento, lerdo,
como sempre caminhei.
Não há pressa,
não há tensão,
apenas caminho.
Os quarteirões desfilam,
qual alegorias de um carnaval esquecido,
janelas, recantos, descuidos.
Sorrio,
reconheço o caminho.
Ele,
como eu,
muda lentamente.
terça-feira, 22 de julho de 2014
Poesia do dia (Canção para despir)
Canção para despir
(luiz alfredo motta fontana)
Que nunca encontre saídas
nos labirintos de teu corpo
Que nunca acorde
junto ao abandono de teus sonhos
Que a sede renove
no brilho ousado de teu orvalho
Que nunca recupere
minha memória do antes
Que só quebre a harmonia
de tuas curvas e sombras
o riso escancarado
que despe a tua entrega
segunda-feira, 21 de julho de 2014
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