terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Bar é prosa (O cinema, o domingo, as moças, os sonhos...)




O cinema, o domingo, as moças, os sonhos...




(luiz alfredo motta fontana)





Vila Santana, anos sessenta, população pequena, a praça em frente à igreja, a rua principal, com todos os bares, o Correio, ao lado a única agência bancária.

O domingo era todo descanso, calmo, o som do Serviço Municipal, substituia o chiado dos rádios a válvula, desfilando boleros, mambos, valsas e sambas-canções.

A noitinha o murmurinho na praça, frente à igreja, anunciava a sessão semanal do pequeno cinema, um sucesso com Victor Mature, ou Randolph Scott.

As moças, e como eram belas as moças da época, caminhavam no sentido horário, alternando risos breves, com cochichos e ares de anjos. Os moços, por sua vez, em harmônica e estudada indiferença, caminhavam em sentido inverso, escondendo intenções entremeadas com apelos.

Laquês, rouges, saias plissadas, de um lado; de outro, botas e botinas engraxadas, dois ou três sapatos de bico fino, isqueiros Ronson, ou Zenith, um ou outro chapéu, estes sempre em parceria com lenços amarrados no pescoço.

Os sonhos, embalados com "Caubys", "Angêlas", e até mesmo "Galhardos" distraídos, dirigiam-se, por fim, lenta e ordenadamente, para a bilheteria.

Quando cheio o salão, as cortinas fechavam, o Canal 100, desfilava novidades da capital, o trailer convidava ao programa da semana seguinte, e por fim, o velho e bom sucesso da Metro ou Columbia, iniciava.

Quantos papéis de balas lançados no corredor, quantas lágrimas sensíveis em lenços finos colhidas?

Após a sessão, a magia rotineira, sem que se percebesse, as ruas restavam vazias, apenas o sobrevoo de um ou outro pássaro noturno, ou então, o deslisar, rente aos muros, dos gatos em ciranda conhecida.

Vila Santana adormecia, pronta para o amanhecer em renovada labuta campestre, por caminhos nem sempre firmes, em atoleiros que desafiavam os mais hábeis, em campos e pastos a serem cotidianamente conquistados.

Hoje, em contraponto, "Matures" já não são lembrados, "Caubys" mal frequentam o Brahma, meninas usam blush, domingos, por sua vez, terminam em angústia que precede as segundas sem prazeres.

- Alguém viu minha Crush?

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Bar é poesia (O plano)




O plano





(luiz alfredo motta fontana)







Calçada
limite do andar

Esquina
o novo, pronto para usar

Tropeças
Voltas
amanhã recomeças

Bar é poesia (Parte vencedora)




Parte vencedora (lições de Direito)






(luiz alfredo motta fontana)








Nunca fora tão bem-vindo
Jamais, tão espirituoso
A noite era sua
As pessoas, sorrisos
As mulheres, promessas

O que mudara?

Enfim, a liquidação da sentença
Afora os honorários devidos
O fisco satisfeito

Pôde ainda,
sem receios, 
tornar-se conviva

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Bar é poesia (A noite, o bar, o intruso)




A noite, o bar, o intruso






(luiz alfredo motta fontana)







O gelo tem vida própria
O scotch personalidade

Da mesa, boa visão
O barman, um velho amigo
A noite, promessas

Já aquele cara que acaba de entrar
curvado e pálido
o peso da inveja!

Garçon, um incenso!

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Bar é poesia (era)




era




(luiz alfredo motta fontana)




era drama
era sério
era destino

alguém assoviou um charleston
tudo ficou para depois
resistir?

como?

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Bar é poesia (O brinde)




O brinde



(luiz alfredo motta fontana)




Ao despedir-se
desnudou-a
Ao dizer adeus
revelou-a
ela, apenas engano

Sorria novamente
o garçon renovara o gelo
a realidade era fria e transparente
o malte, ao contrário, aquecia
o brinde selava a descoberta

sábado, 9 de janeiro de 2016

Bar é poesia (teus passos)




teus passos





(luiz alfredo motta fontana)






teus passos 
ferem o corredor
ainda exalam meus desejos

teus passos te levam
os meus, 
não se atrevem, quedam-se

teus passos
silenciam além do corredor

adormeço
amanhã,
buscarei teu rastro

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Bar é poesia (quase um bolero)





quase um bolero





(luiz alfredo motta fontana)






a chuva fina
não permitia fumar
a calçada, irregular, aconselhava
melhor não apressar o passo
a sola lisa desafiava escorregares

três quarteirões antes
acordara em meio à noite
ela dormia
depois do bar quase deserto
do riso aberto em decote

sua última frase, fora o alerta
- precisamos conversar
levantara-se, sem barulho, 
vestira-se no corredor
na varanda, calçara-se

agora a chuva apagava o rastro
garantia o não retorno
era só virar a próxima esquina

já não sorria
apenas mantinha
o passo lento
e o adeus calado
quase um bolero

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Bar é poesia (Prelúdio)




Prelúdio




(luiz alfredo motta fontana)






A simetria confessava
o plano era perfeito
As cores sublinhavam
era clássico o estilo
Tua nudez
tensa, úmida

anunciava
Era meu
o desejo
Seria teu
o entreato

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Bar é poesia (Suores)




Suores




(luiz alfredo motta fontana)





tardes são longas
demoram
parecem reter o tempo

tardes envelhecem
perdem o viço
fenecem

tardes morrem sem luares
talvez por isso
choram suores


tardes persistem

domingo, 3 de janeiro de 2016

Bar é poesia (Sem pena do trema)




Sem pena do trema



(luiz alfredo motta fontana)



mutilaram o sagüi

por decreto

tiraram-lhe o trema
sem pena

eloqüente
o pingüim argüiu
agüentaremos?

sábado, 2 de janeiro de 2016

Bar é poesia (Exílio)




Exílio


(luiz alfredo motta fontana)







Ao acordar
pressentiu...

Ao tomar consciência
desesperou...

isolado,
desterrado,
banido.

Uma pena a cumprir?
Uma sentença sem apelação?
O pior dos homens?

Não...
...apenas a conexão com defeito!

quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Bar é poesia (Fim da folhinha)




Fim da folhinha



(luiz alfredo motta fontana)






Fim da folhinha
promessas vãs expiram

Fim da folhinha
culpas e medos 

Fim da folhinha
lava-se em branco, manchas e marcas

Fim da folhinha
sobreviver ainda é possível
para além do derradeiro dia

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Bar é poesia (Refaz)




Refaz



(luiz alfredo motta fontana)




No fim do banho
o começo do dia
aroma renovado

Bar é poesia (Desalento)




Desalento



(luiz alfredo motta fontana)




O violão sem cordas
testemunha do abandono
repousa em mesa ao centro

Ao lado dele
velho cachimbo
frio, sem tabaco, sem cheiros
faz companhia à garrafa vazia
com rótulo escocês

No chão, folhinha antiga
dias marcados
significados perdidos

Na parede, o retrato
musa abandonada
sem direito à versos
esboça ainda
um sorriso amarelado


  



terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Bar é poesia (Trégua)




Trégua




(luiz alfredo motta fontana)




Para além do mamoeiro
Sanhaço imita o céu
O menino
por tédio
aposenta o estilingue

Sabiás flauteiam
A tarde dormita
escapando entre meus dedos
Não há juras
nem anéis

Bar é poesia (Sem selo)




Sem selo


(luiz alfredo motta fontana)



Conheço esta esquina
O fluxo, o refluxo, o som, o medo

Conheço esta calçada
O passo, a fuga, o retorno, o frio

Conheço esta rua
portas, janelas, recuos

muros
baldios
em sombras

Só não te reconheço

O soluço, o suor, o arfar
estes os mesmos
Perdeste as vestes, a fantasia, o charme
Ficaste igual à tantas outras

Nua e triste

Restou o endereço

Quase em pânico
o carteiro
adivinhou-se
perdido
sem selo

domingo, 20 de dezembro de 2015

Bar é poesia (Tão me chamando pra pisar na areia)




Tão me chamando pra pisar na areia





(luiz alfredo motta fontana)




Tão me chamando pra pisar na areia
Tão me dizendo que chegou a hora
Tão me falando pra não me atrasar

Adeus Maria, chegou minha hora
Adeus menina, aqui não é meu lugar
Vou indo cruzar a linha
No meu jeito bem devagar
Mesmo assim não perco a hora
Mesmo assim vou mergulhar

Tão me chamando pra pisar na areia
Tão me dizendo que chegou a hora
Tão me falando pra não me atrasar

Adeus Maria
Adeus maninha
Adeus esquinas
Além da linha
Vou mergulhar

Tão me chamando pra pisar na areia
Tão me dizendo que chegou a hora
Tão me falando pra não me atrasar

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Bar é poesia (Acompanhando o gelo)




Acompanhando o gelo




(luiz alfredo Motta fontana)




O bar, não era o mesmo
Novo, o garçon
A cozinha, renovada

A rua, era a mesma
O bairro, mudara
Em cada varanda, esperanças outras
Na esquina, a ausência do medo
Na placa, a certeza do acerto

Vida longa?
O que faltara?

Talvez, um murmurinho, do passado
Antes, inquieto
Agora, mudo, calmo, desfeito

O bar não era o mesmo
Nem o poeta
Menos ainda, o poema
Os versos, agora escorriam
acompanhando o gelo.

sábado, 12 de dezembro de 2015

Bar é poesia (O átimo)





O átimo




(luiz alfredo motta fontana)






O mergulho
cristal no malte contido
não mais gelo
reinventa-se
em singela brisa ao paladar