quarta-feira, 20 de abril de 2016

Bar é poesia (pequena)




Pequena



(luiz alfredo motta fontana)






Tu és múltipla

Eu... 
menino,
o sorriso, o carinho certo, a cama feita
Tu...
guerreira,
o movimento, a fala certa, o carinho exato

Jamais inclina, não emudece,
tens a flecha,
a mão certeira

És água, límpida, que serenamente murmura enquanto passa
És mata, cheiro, cores, mistérios, o encantamento

Não te guardo
Não te prendo

Apenas te sinto
Ao lado

sábado, 16 de abril de 2016

Bar é poesia (Enganos)





Enganos




(luiz alfredo motta fontana)




Em cada esquina, um engano
Em cada frase, um sinal trocado
Em cada rua, uma mão proibida

Em cada engano, uma desculpa
Em cada sinal, uma cumplicidade
Em cada mão, um dedo esperto

Haverá perdão?

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Bar é poesia (psiu...)




psiu...




(luiz alfredo motta fontana







escute
preste atenção

a poesia
acredite
ainda caminha por aqui

Bar é poesia (La lune brille)




La lune brille 




(luiz alfredo motta fontana)







Mesmo que breves
Mesmo que sonhos
Mesmo que estranhos,
ao consentir das viúvas de plantão

Foram belos
Foram música
Tornaram-se versos
Refletiram o luar

E agora,
quando se reconhecem,
apenas em poesia

La lune brille, 
révélant sa nostalgie

Bar é poesia (Hai Kai)




Hai Kai



(luiz alfredo motta fontana)




não o deserto
presente o marejar
em meu olhar

domingo, 27 de março de 2016

Bar é poesia (O adormecer do poeta)





O adormecer do poeta





(luiz alfredo motta fontana)





A nascente vai ao longe
afluentes minguam
saltos, sobressaltos
são agora lembranças
suavizaram

Turvo
guarda poucos sonhos
alguns nunca acordados
relutam em prosseguir
vencidos pela corrente

É um rio
é a vida
é a poesia que se despede
é um poeta
prestes a adormecer

sexta-feira, 25 de março de 2016

Bar é poesia (Toda noite)




Toda noite




(luiz alfredo motta fontana)






Toda manhã
meus fantasmas 
em magia suave
tornam-se crianças
sorriem

toda noite ressurgem
postados à mesa
ou dividindo balcão

toda noite
asseguram
tristeza nunca andará só

domingo, 13 de março de 2016

Bar é poesia (Noite em dia)




Noite em dia




(luiz alfredo motta fontana)




Reclamava
Não se acostumara à nudez
Passara a vida entre sombras e panos
Sentia-se violada
Respirava noite em dia

O poeta a atendeu
e a seu modo
a vestiu
Verso nu 
agora, a cobria

O poema, ainda úmido
na musa ardia





sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Bar é poesia (Dizem)




Dizem



(luiz alfredo motta fontana)




Dizem
no Olimpo
que trombetas ecoam

dizem
no mesmo Olimpo
que tias revoam

dizem
que contratos se fecham
nos cartórios do Olimpo

dizem
e se dizem
dúvidas não há

o Olimpo
despe-se de musas
tudo se reduz à taxas e guias

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Bar é poesia (Hoje)




Hoje




(luiz alfredo motta fontana)







O poeta equivocado
transformou em musa
quem, desnuda, desfilava a própria fuga

Versos buscaram sonhos
nos entreatos de tuas vergonhas 

O poeta equivocado
criava jardins em cantos
orquídeas floresciam
enquanto vestias
falsas roupas intimas

O poeta equivocado
ao acordar já não sorri
lava a poesia
enxágua os versos
rasga velhos poemas

Quem foi musa
agora veste
sociais miçangas

O poeta?
envelheceu

Hoje não comemora
apenas esquece

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Bar é poesia (Poemeto cínico)




Poemeto cínico




(luiz alfredo motta fontana)






Com estridência,
em seu tom gutural,
esboçava risadas.

A cada tragada,
arqueava os ombros,
cobertos em cambraia branca

Afinal...
seus instintos reprimidos,
e jamais confessados,
de donzela quase invícta,
testemunharam:

A última dança do casal,
um bolero singular,
um prá lá, um prá cá!

Bar é prosa (Em nome da Comenda)




Em nome da Comenda





(luiz alfredo motta fontana)





Francesco Altileme Filho, era herdeiro, do nome, do sobrenome, e de regras de comportamento.

Herança envolvente, asfixiante, duradoura, da qual ousava escapar, somente, na privacidade da "sala de música", envolta em paredes de cortiça, pesadas cortinas e poltronas de outrora, revestidas em couro.

Em outros cômodos, ou na rua, era sempre o herdeiro, do primeiro Francesco, que em dia de glória, adquirira o sonhado título de Comendador, data que culminou com o jantar planejado, tendo como convidado principal, Dom Giuzeppe, “o Breve”, Bispo de larga fronte e enormes costados.

Homem feito e refeito, embora ainda sob o peso da herança, Francesco vencera, pertencia ao mundo empreendedor, brilhava em reuniões, como o principal executivo, da filial paulista, de robusta empresa européia.

Ao estacionar na vaga perfeita, do supermercado das manhãs de domingo, uma pequena lembrança lhe acometeu, quase que ouvia o barulho, infantil, do chacoalhar da caixa de papelão.

Em meio ao labirinto de corredores e gôndolas, qual aventureiro em terras longínquas, sentia o gosto do conteúdo, desfazendo-se no céu da boca.

Abraçado ao objeto de desejo, quase não percebeu o olhar , entre curioso e sarcástico, que Altaneira Venâncio, Diretora de Marketing, sala ao lado da sua, lançava, ora para seu rosto distraído, ora para a escandalosa caixa ilustrada.

Ao responder o “Bom Dia”, um tanto quanto estridente, encontrou a solução, qual mágica, vinda de sua, elogiada e reconhecida, capacidade de reação e improvisação frente aos desafios de mercado.

E, com ar professoral, discorreu sobre singela receita, do que chamava, “Filé do Comendador”.

Aproveitando-se da proximidade do balcão de cortes bovinos especiais, escolheu com enfado a embalagem de “tournedos” de filé, e dois passos à frente, um vidro de maionese light.

Naquela tarde, enquanto buscava o conforto no barroco de Bach, sorria ao imaginar o sucesso da receita.



“Filé do Comendador”



Ingredientes:

- quatro tournedos de filé
- sucrilhos tradicionais (o da caixa da infância)
- maionese light


Preparo:

- untar os tournedos com maionese
- após, passá-los numa vasilha contendo sucrilhos
- levar ao forno médio

Servir acompanhado de escarolas cozidas, ao tempero de azeite.




Francesco manteve sua postura, com pitadas de excentricidade.

A tigelinha de ágata, comprada na feirinha de antiguidades, repousava ao lado, úmida de leite, e pontuada de sucrilhos.

Bar é prosa (O cinema, o domingo, as moças, os sonhos...)




O cinema, o domingo, as moças, os sonhos...




(luiz alfredo motta fontana)





Vila Santana, anos sessenta, população pequena, a praça em frente à igreja, a rua principal, com todos os bares, o Correio, ao lado a única agência bancária.

O domingo era todo descanso, calmo, o som do Serviço Municipal, substituia o chiado dos rádios a válvula, desfilando boleros, mambos, valsas e sambas-canções.

A noitinha o murmurinho na praça, frente à igreja, anunciava a sessão semanal do pequeno cinema, um sucesso com Victor Mature, ou Randolph Scott.

As moças, e como eram belas as moças da época, caminhavam no sentido horário, alternando risos breves, com cochichos e ares de anjos. Os moços, por sua vez, em harmônica e estudada indiferença, caminhavam em sentido inverso, escondendo intenções entremeadas com apelos.

Laquês, rouges, saias plissadas, de um lado; de outro, botas e botinas engraxadas, dois ou três sapatos de bico fino, isqueiros Ronson, ou Zenith, um ou outro chapéu, estes sempre em parceria com lenços amarrados no pescoço.

Os sonhos, embalados com "Caubys", "Angêlas", e até mesmo "Galhardos" distraídos, dirigiam-se, por fim, lenta e ordenadamente, para a bilheteria.

Quando cheio o salão, as cortinas fechavam, o Canal 100, desfilava novidades da capital, o trailer convidava ao programa da semana seguinte, e por fim, o velho e bom sucesso da Metro ou Columbia, iniciava.

Quantos papéis de balas lançados no corredor, quantas lágrimas sensíveis em lenços finos colhidas?

Após a sessão, a magia rotineira, sem que se percebesse, as ruas restavam vazias, apenas o sobrevoo de um ou outro pássaro noturno, ou então, o deslisar, rente aos muros, dos gatos em ciranda conhecida.

Vila Santana adormecia, pronta para o amanhecer em renovada labuta campestre, por caminhos nem sempre firmes, em atoleiros que desafiavam os mais hábeis, em campos e pastos a serem cotidianamente conquistados.

Hoje, em contraponto, "Matures" já não são lembrados, "Caubys" mal frequentam o Brahma, meninas usam blush, domingos, por sua vez, terminam em angústia que precede as segundas sem prazeres.

- Alguém viu minha Crush?

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Bar é poesia (O plano)




O plano





(luiz alfredo motta fontana)







Calçada
limite do andar

Esquina
o novo, pronto para usar

Tropeças
Voltas
amanhã recomeças

Bar é poesia (Parte vencedora)




Parte vencedora (lições de Direito)






(luiz alfredo motta fontana)








Nunca fora tão bem-vindo
Jamais, tão espirituoso
A noite era sua
As pessoas, sorrisos
As mulheres, promessas

O que mudara?

Enfim, a liquidação da sentença
Afora os honorários devidos
O fisco satisfeito

Pôde ainda,
sem receios, 
tornar-se conviva

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Bar é poesia (A noite, o bar, o intruso)




A noite, o bar, o intruso






(luiz alfredo motta fontana)







O gelo tem vida própria
O scotch personalidade

Da mesa, boa visão
O barman, um velho amigo
A noite, promessas

Já aquele cara que acaba de entrar
curvado e pálido
o peso da inveja!

Garçon, um incenso!

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Bar é poesia (era)




era




(luiz alfredo motta fontana)




era drama
era sério
era destino

alguém assoviou um charleston
tudo ficou para depois
resistir?

como?

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Bar é poesia (O brinde)




O brinde



(luiz alfredo motta fontana)




Ao despedir-se
desnudou-a
Ao dizer adeus
revelou-a
ela, apenas engano

Sorria novamente
o garçon renovara o gelo
a realidade era fria e transparente
o malte, ao contrário, aquecia
o brinde selava a descoberta

sábado, 9 de janeiro de 2016

Bar é poesia (teus passos)




teus passos





(luiz alfredo motta fontana)






teus passos 
ferem o corredor
ainda exalam meus desejos

teus passos te levam
os meus, 
não se atrevem, quedam-se

teus passos
silenciam além do corredor

adormeço
amanhã,
buscarei teu rastro

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Bar é poesia (quase um bolero)





quase um bolero





(luiz alfredo motta fontana)






a chuva fina
não permitia fumar
a calçada, irregular, aconselhava
melhor não apressar o passo
a sola lisa desafiava escorregares

três quarteirões antes
acordara em meio à noite
ela dormia
depois do bar quase deserto
do riso aberto em decote

sua última frase, fora o alerta
- precisamos conversar
levantara-se, sem barulho, 
vestira-se no corredor
na varanda, calçara-se

agora a chuva apagava o rastro
garantia o não retorno
era só virar a próxima esquina

já não sorria
apenas mantinha
o passo lento
e o adeus calado
quase um bolero