segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Bar é prosa (O bar, a tarde, e o final de ano)




O bar, a tarde, e o final de ano



(luiz alfredo motta fontana)








Tarde calma, como devem ser as tardes do derradeiro dia do ano, nas casas os sonhos começam a ser lavados, as cozinhas já antecipam o aroma dos temperos e carinhos, os freezers começam atingir suas temperaturas idealizadas.

O bar, fechado para descanso, mal responde ao acender das luzes laterais, o balcão reina absoluto, frente ao ordenado descansar de mesas e cadeiras.

Ao ligar o som ambiente, entremeado de blues e MPB, reconhece o arranjo de um Tamba Trio que percorreu tantas noites em boêmia recém descoberta, numa São Paulo ainda ingênua, nos anos sessenta.

- Não se faz balanço de anos. Pensou, para concluir: - Esse proceder é próprio das instituições financeiras, o que se faz, numa tarde de 31 de dezembro, é apenas escolher as memórias que irão ficar.

Como parceiro e cúmplice, empunhou o copo baixo, desde sempre, o baixo, o cristal no limite, e nele o suave tom do scotch, diluindo-se em gelo.

Algo de egoísmo permeia um bar vazio, algo de liberdade poética contribui com o olhar, e com o recordar.

A mesa 7, e seus habitués, a mesa 9 em que brindara a última despedida, a mesa 13, dos afoitos, e a singela mesa 3 em que hoje habita uma saudade.

Na mesa 3, por muito tempo, quando sorvia ainda a primeira dose das noites de um tempo breve, tivera a companhia discreta e aristocrática de um velho amigo. Não confessava, nem precisava, mas era a mesa mais terna, a mais representativa do estar simplesmente no bar.

Na sequência, o som. já entoava Caymmi e o doce mistério de um mar, o mesmo mar que sempre banhara seus sonhos, e que também apagara suas palavras na areia. Quanta juras de amor eterno, quantas promessas de dispensar adeus.

A tarde, em bossa já não tão nova, ocupava todo o salão, a saudade abraçava o sorrir, e o olhar, sempre perdido, buscava enfim o conforto de seu colo.

Feliz ano novo!

(31/12/2008)

Bar é poesia (pequena canção para descansar teu olhar)




pequena canção para descansar teu olhar





(luiz alfredo motta fontana) 







para além do quarteirão
a chuva cai mansa 
para além de tua esquina
pintam os telhados de azul

não se sabe a razão

para além do quarteirão
para além de tua esquina
os portões são amarelos 
com os trincos sempre abertos 

para além de teu olhar
tem uma mina
ao lado dela
dormem teus sonhos

Bar é poesia (Noite sem luar)




Noite sem luar





(luiz alfredo motta fontana)







Talvez
A mesa vazia
O cinzeiro esquecido
A música ambiente


Talvez...
toque Besame Mucho...

Talvez...

Bar é poesia (Que importa?)




Que importa?




(luiz alfredo motta fontana)








para onde vai a brisa?

não pergunte
apenas siga

ela leva,
despretensiosamente, consigo
afagos que transformam
paragens hostis
em afáveis recantos

Bar é poesia (Chiados)




Chiados




(luiz alfredo motta fontana)






Sonhei em 78 rpm
Amei em LP
Confundi em estéreo
Filosofei em quadrifônico
Reaprendi em CD
Te revejo em MP3

Bar é poesia (Aconteceu)




Aconteceu




(luiz alfredo motta fontana)







Numa manhã
reconheci meu olhar

Já não sei de ti
o nome
o jeito

Só reconheço
o toque
de um banho frio

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Bar é poesia (Um poemeto bordado)




Um poemeto bordado





(luiz alfredo motta fontana)









Poesia pode bordar?
Impunemente!
O verso pode marcar?
Tal qual a linha
Transformando o tecer!

Dúvidas...
Uma só resposta conhecida
Poetas podem admirar bordados

Além dessa verdade
Resta...
Um desejo contido

Vestirás meus versos?

Bar é poesia (Vida Prêt-à-porter)




Vida Prêt-à-porter





(luiz alfredo motta fontana)








mantenha-se erecta
capriche nas sombras 
acerte as luzes 

troque calorias 
por curvas de estilo 
cubra-se com arte 

escale scarpins

mas... 
não tolha o sentir 
não esconda o olhar 
liberte os hormõnios
respire sem medo 

si vous n'avez pas... 
o manequim não suporta 
transforma-se em peso 
cede a passarela 
o desastre a abraça 

le défilé se termine 
sem que a vida 
acompanhe 
o alçar vôo do prazer

Bar é poesia (E por falar em angústia...)






E por falar em angústia...

( Tendo o SUS como musa ) 




(luiz alfredo motta fontana)









Estranhos corredores
O caos veste comportadas filas

Aqui e acolá,
uma declaração de bravura,
outra de descrença,
um murmúrio de cansaço, 
dão cor à passividade face ao descaso

Com sorte,
quiçá a douta figura,
em branco,
ouvirá tuas dores.

O certo é que encaminhará o exame,
tal qual o previsto, 
na ficha antes conquistada

Hipócrates ausente

Kafka dá plantão

Mas...

Acreditem...

Ainda assim,
existe humor
Estranha maneira de chorar

Bar é poesia (Poemeto dolorido)




Poemeto dolorido





(luiz alfredo motta fontana)









Parece mito
Tem um toque de tragédia
Articula sotaques não só do Egeu

Apoiada por uma rede de amigas
Muito próxima de intrigas
É citada como exemplo
Porém paga preço alto
É só entre convivas
É inteira entre paredes
É livre somente em sonhos

Não vive, recorda
Não estremece, soluça

Abdicou aos amores

Instituição inexpugnável
Embora ainda traga
Delicadas marcas de roubados afagos

Bar é poesia (Flagrante)




Flagrante




(luiz alfredo motta fontana)








Ao vestires esses versos
com um sorriso
mesmo que acanhado

Ao tingires teus olhos
com ternura
mesmo que inesperada

Serás mais que musa
te flagarás
nua e cúmplice

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Bar é poesia (Paradoxo?)






Paradoxo?





(luiz alfredo motta fontana)










De um lado a pequenhez do continente
De outro a vastidão do contido
Por sorte
a poesia antecede a pena

Fina ironia?
Talvez…

Tal qual a Avenida Paulista, ela independe do transeunte